Por: Cal Bianco – Teólogo e Missionário


Seguem aqui, algumas linhas sobre o livro de Ronaldo Lidório. O autor é pastor Presbiteriano com especialização em antropologia cultural e intercultural. Atuou, por 9 anos entre o povo Konkomba de Gana. Realizou a tradução do Novo Testamento para a língua Lomonkpeln. Coordena o Instituto Antropos que prepara pessoas para os campos missionários. Autor de mais 15 livros, dentre eles, Indígenas do Brasil, Konkombas, Plantando Igrejas e Liderança e integridade.

O livro, Introdução à Antropologia Missionária, está organizado em 17 capítulos e 5 apêndices, num total de 205 páginas. De leitura agradável, os primeiros capítulos tratam da correlação entre Antropologia e ações Missionárias, suas relações e influências.

Todos os capítulos são interessantes, pois traçam conceitos paralelos que pareciam antagônicos para mim, e creio que também seja assim para muitos.

Antagônico também é o entendimento de que as ações missionárias prejudicam a cultura do povo local. Essa fala, geralmente é utilizada por aqueles que não aceitam o trabalho missionário, mas apoia, incondicionalmente o antropológico.

O autor destaca missionários, professores que, ao longo dos anos, foram os precursores da Antropologia aplicada ao trabalho missionário como, Bárbara Burns, Frances Popovich, Isabel Murphy, Paul Freston e Rinaldo de Matos.

Caracteriza também a influência teórica de Émile Durkheim, com a publicação do livro As regras do método sociológico, e As formas elementares da vida religiosa, entre outros autores consagrados academicamente.

Destaco as palavras de Sérgio Paulo Rouanet, citado pelo autor:

“O homem não pode viver fora da cultura, mas ela não é seu destino, e sim um meio para sua liberdade. Levar a sério a cultura não significa sacralizá-la, e sim permitir que a exigência de problematização inerente à comunicação que se dá na cultura se desenvolva até o télos do descentramento”

No capítulo 12, o Pr. Ronaldo Lidório apresenta seu método de análise sociocultural denominado Antropos, o qual tem como base inicial o estudo de uma sociedade considerada em quatro dimensões: histórica, ética, étnica e fenomenológicaConheça mais visitando o site https://instituto.antropos.com.br/site/inicio/

No capítulo 15, Lidório, descreve sobre a compreensão dos ritos. Estes ritos são atividades que devem produzir um determinado efeito. Seja de purificação ou limpeza do corpo e ambiente, seja de renovação das forças que equilibram o universo. Segundo ele, os ritos possuem uma função essencial na vida e na organização da sociedade.

O autor, descreve sua experiência com o povo Konkombas, mas que me chamou a atenção foi:

“Nós, cristãos, temos expectativas quanto à conversão das pessoas, achando que deva ser imediata, pois em nossa cultura funciona assim. Em algumas culturas, no entanto, nas quais as mudanças se dão vagarosamente, quando pregamos o Evangelho, mensagem que certamente causa impacto e gera mudanças, cada um que se chega a Deus o faz dentro do seu formato cultural. Às vezes, uma conversão  se dá muito lentamente. Tendemos a pensar que se trata de fraqueza espiritual, porém muitas vezes, o que acontece é que o processo naquela cultura é naturalmente longo. Quanto maior a proposta de mudança, mais tempo deverá levar.” p. 111

No Brasil, somos imediatistas, queremos os resultados para ‘ontem’! Quando relatamos as ações do campo missionário, muitos tem dificuldades para entender seus resultados. Outros entendem que devemos apresentar apenas números. O Evangelho é sim uma grande mudança na vida das pessoas. Não é mágica e não é da noite para o dia que uma pessoa se converte. Pode acontecer de ser muito rápido? Claro! Mas não é regra para todas as pessoas.

No capítulo 16, o autor traz sua reflexão sobre o significado de TotemismoTotemismo é uma crença na qual se percebe que os homens e os elementos da natureza se relacionam de forma binária com base em semelhança na distribuição da força da vida. Seria, basicamente o que entendemos por ‘cosmovisão’.

No capítulo 17, que trata sobre a Evangelização contextualizada, o autor destaca que:

“Para avaliar a compreensão do Evangelho num contexto intercultural, há três principais questões que devemos responder perante um cenário em que a mensagem bíblica já tenha sido pregada: 1 – Os ouvintes percebem o Evangelho como uma mensagem relevante no universo em que vivem? 2 – Os ouvintes entendem os princípios bíblicos em relação à cosmovisão local? 3 – Os ouvintes aplicam os valores do Evangelho como respostas aos seus conflitos diários?” p. 129

Outro destaque que trago, nas próprias palavras do autor, está na página 131, que diz:

“Não interessa o que mais faça um missionário, ele precisa proclamar o Evangelho. Trabalho social, ministério holístico e compreensão cultural jamais substituem a clara comunicação do Evangelho nem justificam a presença da Igreja. O conteúdo do Evangelho explicado em qualquer ministério de plantio de igrejas deve incluir: 1) Deus, como criador e soberano (Ef. 1.3-6; 2) o pecado, como fonte de separação entre o homem e Deus (Ef. 2.5); 3) Jesus, sua cruz e sua ressurreição, como o plano histórico de Deus para a redenção do homem (Hb 1.1-4); 4) o Espírito Santo, como cumprimento da promessa e encarregado de conduzir a Igreja até o dia final.”

Ainda, sobre Evangelização contextualizada, Lidório traz um relato interessante da forma como o Apóstolo Paulo atuou na prática, na exposição do Evangelho em sua época. Apesar de ter sido chamado para atuar com os gentios (Gl 1.16) ele atuou com outros grupos e mostrou sabedoria em todos os contextos, sem prejudicar em nada a exposição da mensagem.

Em Atos 9.19-22 Paulo fala aos Judeus, em Damasco, apresentando Jesus como ‘o Filho de Deus’, o Cristo da promessa.

Em Atos 13.14-16 Paulo fala aos Judeus e gentios, simpatizantes com a fé Judaica. Iniciando, a partir do Êxodo e relembrando a história do povo de Deus.

Na terceira passagem, em Atos 17.16-31, Paulo proclama Cristo para os gentios que desconhecem as Escrituras, partindo do que era ‘conhecido’ por seus ouvintes, o “deus desconhecido”.

São através destas argumentações que o Pr. Ronaldo Lidório quer afirmar ao leitor que a Antropologia Missionária propõe uma abordagem com assuntos humanos e socioculturais com lentes teológicas, ou seja, a partir da compreensão de Deus, a apresentação do Evangelho sem prejudicar a cultura.

Não seria apenas a apresentação de um Deus ‘aceitável’ culturalmente, mas a exposição do Deus revelado no Evangelho que confronta a cultura, visto que também o homem, dentro da sua própria cultura, também foi, outrora, alcançado pelo pecado.

Nas últimas páginas, outra narrativa que destaco, é a argumentação de que não é a exposição do Evangelho que causa ou, pode causar, alguma transformação negativa, como afirmam alguns, mas sim a atuação política e social por parte do Estado, especificamente com a cultura indígena, no Brasil.

Na página 143, o autor destaca o seguinte conteúdo:

‘A dinâmica cultural é um dado fundamental para toda e qualquer sociedade e sinal de que a cultura está viva e gozando pela saúde. Isso nos faz pensar sobre a postura do mundo não indígena em relação ao indígena, concernente ao respeito às suas escolhas, decisões e questionamentos. Percebemos assim, que:

1.O universo indígena é heterogêneo, sendo formado por uma grande diversidade cultural e linguística. A realidade de um grupo indígena não é a realidade de todos, bem como sua jornada. O universo indígena é formado tanto por índios citadinos, semi-integrados ao ambiente não indígena, quanto por índios da floresta, que desejam manter distância, e, ainda, por um leque enorme de categorias entre esses dois pontos.

2. As principais forças de transformação cultural entre os grupos indígenas do Brasil são a sociedade não indígena e as políticas públicas governamentais. Enquanto a primeira produz um poder de atração de forma não planejada e informal, a segunda o faz por meio dos serviços que julga relevantes e necessários aos povos indígenas.

3. A cultura humana é dinâmica, provocando e sofrendo processos de mudanças. Seja por motivações internas ou a partir de trocas interculturais, cabe ao próprio grupo refletir sobre sua organização social, tabus e crenças. Cabe também ao próprio grupo promover, ou não, ajustes sociais que julguem de benefício humano.

Assim, nenhum elemento externo jamais deve ser imposto a uma cultura. Toda imposição pressupõe carência de respeito humano e cultural, além de grave erro na construção do diálogo.

Excelentes colocações e abordagens, com os quais encerro esses comentários, recomendando a leitura completa deste livro, considerando ser essencial para o trabalho em qualquer campo missionário.